17.1.09

Sal (parte um)

Aquela rodoviária era típica. Alguns poucos pedintes e suas balas de goma superfaturadas, umas pessoas que chegavam de muito longe com suas caixas de papelão e rolos de colchões encardidos e algum sotaque nordestino na bagagem, umas outras que pareciam vir não de tão longe pra se divertir e gastar um fim de semana na praia. Se a rodoviária era típica, inodora e insípida, a parte urbana que a rodeava não era. Se fosse mais bonita, cheiraria a naftalina, mas não cheirava. Anhaúns não era um exemplo de beleza, muito longe disso. Uma cidade de passado, sem visão alguma de futuro, de um modo que se tivesse continuado no passado estaria ótima. Era assim mesmo? Eduardo pensava que sim, ali, vendo aquilo tudo, mas lembrou-se do que lhe falaram sobre Anhaúns, que suas praias eram belas e fortunadas. Pegou a mala e a mochila, arrastou-se até a entrada, desviando de outras malas e choradeiras de despedida.
"Táxi!" fez sinal, e um pequeno Uno branco parou. "Quanto fica pra praia do Sal? Preciso de um hotel."
"Lhe faço dezoito nesse hotel que vou lhe levar", disse o taxista cabeça-trançada cara de Djavan. "Ok, segue."
O táxi não rodou mais do que cinco longos minutos. Eduardo inevitavelmente visualizou velhinhas com hospital como destino desembolçando milhares de reais por uma corrida, num pequeno Uno branco pilotado por um espertão.
Chegou. A pousada Marazul à primeira vista era como uma pousada velha e decadente qualquer, a uns cinquenta metros da praia. Uma rua estreita, uma meia dúzia de outras pousadas, todas de mesmo porte decadente. Eduardo imaginou aquele trecho de rua na praia do Sal a noite, e sentiu breves arrepios, rindo de si mesmo em seguida. "São só três dias."
"Pois não?", precipitou-se uma mulher no balcão, em roupas que acenavam a prostituição.
"Um quarto com banheiro, pro favor."

"Está sozinho?", jogou os cabelos para trás. Reflexos loiros, rosto rude e cheiro de creme alisador.
"Pra dois."


[Los Hermanos - Tá Bom]

5.1.09

No café

Um gole, e já não mais
sei eu bem o que fazer
sorri assim aqui, ali
sem ser óbvio e capaz
de despir assim de si
ainda acha que esqueci
giro a xícara, faz cair
como se fosse um minuto
que se fez perder ou então
em gota de café que derramou
se fez inútil mas precisa
como um decrépito sermão
uma mancha que não sai
nem a mistura de limão
desconexo como sempre.


[John Frusciante - Song to Sing When I'm Lonely]